Educação e globalização: a caverna de Platão e hoje.

terça-feira, 5 de julho de 2011 0 comentários
EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO:
A CAVERNA DE PLATÃO E HOJE


Bruno Camilo de Oliveira[1]
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
camilo.bruno@hotmail.com





Resumo: Analisamos o problema da educação tradicional que vai muito além da transmissão de conhecimento e da formação técnica para o mercado de trabalho. A contemporaneidade busca impor à globalização a lógica de mercado e o neoliberalismo como naturais e eternos ao sistema educacional, esquecendo de financiar o pensamento crítico nos alunos. A escola passa a ser uma empresa e a educação um produto de mercado, sujeita a todas as leis que os produtos de mercado carregam, perdendo assim sua perspectiva humana e mais integral. Ao contrário, a educação deve questionar suas próprias bases, incitando-se a pensar a sociedade na qual está inserida, em sua dupla condição de produto e produtora da mesma, ou seja, aliar-se a filosofia. A educação deve primar pelo pensamento crítico e pela a formação de caráter do cidadão para que ele possa ser autônomo e virtuoso.

Palavras-Chave: Educação. Globalização. Reificação. Filosofia. Paidéia.

 

Breve introdução
Não é possível que cada um acumule no processo de educação escolar uma determinada quantidade de conhecimentos que possa abastecer-se indefinidamente; ao contrário, é necessário aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança. Como o conhecimento é múltiplo e evolui infinitamente torna-se cada vez mais difícil o estudo e a apreensão dos conteúdos acerca das disciplinas escolares. Até meados do século XX, nos países desenvolvidos, a ideia de educação bem conceituada consistia em estudar na “França, Alemanha, nas mais importantes universidades da Europa” (SAKATA, 2008, p.162). Estes acordos internacionais com instituições estrangeiras é uma resposta positiva a globalização, porque a partir dos acordos, os alunos têm a oportunidade de passar um período em outro país e com isso perceber outras realidades culturais e expandir o processo de aprendizagem. Mas será que a globalização favorece a educação? Em que medida a globalização contribui para a precariedade do ensino? A economia exerce um papel dominante na globalização e é a partir deste processo que muitas das decisões mundiais têm sido tomadas. É nesta conjectura que se torna preciso pensar em que medida a globalização atrapalha ou não a educação.
            No primeiro tópico apontarei os problemas recorrentes da influencia da globalização e da economia na educação do mundo contemporâneo. No segundo tópico definirei o conceito de reificação para que facilite a compreensão da influência negativa da globalização na educação. No terceiro tópico conjecturarei o papel que a escola vem desempenhando no mundo globalizado, tanto no aspecto positivo quanto no negativo. No quarto e último tópico concluirei que só a educação é capaz de formar o caráter humano e fazer com que ele enxergue graves aparências que predominam no mundo globalizado.
           
1.      Educação e globalização
É importante ter em consciência que nossos valores e identidades não se percam ao longo do processo de globalização. Pois, uma população educada e que tenha consciência de sua identidade nacional e cultural, além de conseguir competir com igualdade no mercado global, torna-se um povo autônomo, consciente de si e do mundo. Isto mostra que a educação e o ensino vão muito além da transmissão de conhecimento e da formação técnica para o mercado de trabalho, já que cada instituição de ensino deve manter ao menos o espírito de instituição social, e seus professores e coordenadores devem ter em mente qual o verdadeiro papel da educação e a importância da sua função, na medida em que a formação do professor também deve ser constantemente repensada.
Porém, a contemporaneidade busca impor à globalização a lógica de mercado e o neoliberalismo como naturais e eternos (GERA, 2002, p.42). E qual seria a relação entre contemporaneidade, globalização e educação?
            No contemporâneo (atualidade) considera-se o conceito de mercado como eixo das relações sociais e principalmente da educação. Pode-se dizer que as políticas sociais foram também atiradas às leis de mercado assim como na educação porque a lógica, a estratégia de legitimação do sistema capitalista globalizado, tem como eixo principal a passagem das lógicas do Estado para as lógicas da sociedade civil. Uma vez entendida a sociedade civil como um mercado, altera-se qualquer princípio de igualdade já que se impõe a lógica de quem detém o maior poder político-econômico, incentivando a concorrência e os princípios do individualismo. A escola passa a ser uma empresa e a educação um produto de mercado, sujeita a todas as leis que os produtos de mercado carregam, perdendo assim sua perspectiva humana e mais integral.
            Deste modo, a globalização insiste na integração da educação e do ensino na economia. É vontade das empresas que sejam sempre fornecidos empregados bem preparados e condicionados para se entregarem ao sistema sem discussão e resistência. Assim, qualquer forma de pensamento crítico está excluída e as ciências são ensinadas como dogmas definitivos e não como método crítico de pesquisa. A educação escolar insiste em transmitir uma disciplina social, ensinando a juventude que quem quiser ter êxito, deve se submeter cegamente as empresas e ao sistema, negligenciando toda a capacidade crítica do ensino escolar.
Uma vez comercializada, a cultura é vista como mercadoria, forma de obtenção de lucro e as empresas produtoras de ensino acabam praticando a concorrência capitalista, as quais, as mais fortes destroem ou compram as mais fracas. Isto acaba financiando uma espécie de “latifúndio do conhecimento”, no qual há extrema concentração da produção cultural e educativa em mãos de algumas empresas gigantes: editoras, escolas e faculdades particulares, produtoras de produtos musicais e a maioria das produções cinematográficas concentradas em Hollywood. Aliás, podemos dizer que toda a espécie de cultura ou conhecimento vendido atualmente no mundo é norte-americana, ocorrendo certa universalização ou monopolização desta cultura, graças ao acúmulo imenso de capital também através de empresas educadoras. Daí surge os problemas de ordem pública, dentre eles a má educação nas instituições públicas de ensino em contraste com uma valorização do ensino privado, que dispõe de maior investimento financeiro e segrega educação de qualidade para poucos, isto quando estas instituições ainda estão imunes a ignorância do método de ensino, visto que a maioria já se encontra perdida completamente.

2.      O conceito de reificação
“O mundo reificado é por definição um mundo desumanizado[2]”. O que querem dizer com esta afirmação? E por que ela é importante para a nossa discussão? Antes de tudo, reificação é um conceito marxista bastante usado (alienação), e dá-nos a idéia de “coisa”, como algo alheio, impessoal, externo. Dizemos que o mundo está reificado quando as ações humanas se fundamentam em termos não-humanos, isto é, quando são vistos como coisas exteriores a nossa necessidade básica. De modo mais claro, é o processo no qual o homem se sustenta no próprio produto humano, passando a ser estranha a estrutura que o construiu. A sociedade é uma objetivação no sentido de que o homem constrói algo necessariamente situado fora dele. Chama-se de reificação a essa objetivação, quando alcança um alto grau de complexidade, chegando ao ponto de perder a inteligibilidade que possui como empreendimento humano e passar a ser contraditório ao juízo. De modo preciso: o homem, que é produto do mundo, torna-se produtor, e a atividade humana torna-se manifestação de processos não-humanos. Ou seja, paradoxalmente, o homem cria uma realidade que o nega. Ainda aqueles autores: “A questão decisiva consiste em saber se o homem ainda conserva a noção de que, embora objetivado, o mundo social foi feito pelos homens, e portanto, pode ser refeito por eles.”
A globalização também carrega o “interesse do mais forte[3]” contribuindo para um maior índice de reificação no mundo, principalmente pela as escolas. E é justamente esta a armadilha dos mais fortes: a própria instituição totaliza o campo de reificação nela mesma a partir do ensino precário e descompromissado com a educação. Para Savianni é possível encarar a escola como um produto da sociedade fundada no modo de produção capitalista e que a escola sofre a determinação de conflitos a partir dos interesses que movem a sociedade. Desse modo, considera que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola.

(ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto, apenas acionará mecanismos de adaptação que evitem a transformação), segue-se que uma teoria crítica (que não seja reprodutivista) só poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses do dominado. (SAVIANNI, 2008, p. 25.)

E este é o cenário perfeito para a ignorância e a desigualdade intelectual, porque com a divisão entre ricos e pobres as instituições de ensino também são desniveladas e o conhecimento socialmente dividido. Da precariedade da instituição e da fragmentação social do conhecimento decorre uma ruptura da educação com a sua finalidade, o que já é uma espécie de reificação. A globalização contribui neste processo na medida em que representa os interesses capitalistas, ou, o interesse dos mais fortes.
Com a divisão social do trabalho (e os conceitos de sociedade mecânica e orgânica, elaborados por Durkheim), as instituições são inevitavelmente segmentadas e o conhecimento socialmente dividido. Esse conhecimento distribuído em vários setores cria universos circunscritos de significação, esferas semânticas nas quais se movimentam os “atores”. Um exorcista vive num mundo cognitivo distinto do de um médico tendo ambos em comum o universo social que os engloba (“metassistema de significação”), que os integra, pois, do contrário, seriam esquizofrênicos num mundo de esquizofrênicos exercendo seus papéis sem legitimarem as instituições que constituem o sistema social. Dessa segmentação institucional e divisão do conhecimento decorre a exacerbada especialização em determinados setores, o que já é uma espécie de reificação, visto que há vários tipos.
É aqui que entra a necessidade do ensino de filosofia nas escolas. Pois, a filosofia surge em virtude de uma necessidade correspondente ao processo de reificação. Ora, não será uma manifestação deste processo o fato de o aluno não reconhecer-se no conhecimento (produto humano) que absorve? A realidade imediata apreendida pelo indivíduo é, evidentemente, a mais autêntica. A postura crítica do aluno perante a realidade cotidiana é capaz de abrir seus olhos e fazer com que absorva o discernimento entre o “mundo real e o mundo aparente” [4]. Então, como legitimar um conhecimento sem aplicabilidade? Uma declaração estudantil que não raro ouvimos é: “para quê devo aprender isso se nunca vou usá-lo?”. Não será o enfoque historicista da pedagogia crítico-social uma tentativa de humanizar, ou desreificar, o conhecimento? Sim, e como inimigo tem a própria instituição tradicional de ensino a qual negligencia a filosofia.



3.      O papel da escola
Diante desta realidade como a escola poderia interferir neste processo de alienação cultural e educacional? Achar que a escola tem o poder de transformação social nos dias de hoje seria ingenuidade ou esperança? Pois é, os teóricos críticos-reprodutivistas nos mostraram que a escola não é equalizadora, mas reprodutora da sociedade. Deste modo, podemos permanecer na crítica, apenas no campo abstrato das ideias, como uma ideologia e cair num pessimismo imobilista. Mas podemos entender que o espaço escolar pode ser um meio de reconstrução crítica e criativa da herança cultural, e que para isto é necessário uma valorização e responsabilidade do professor, buscando não apenas uma formação técnico-científica, mas uma sólida formação político-filosófica, proporcionando uma visão crítica dos conceitos e valores que sustentam a realidade analisada.
Para a Pedagogia “Crítico-Social dos Conteúdos”, que surge no final da década de 70, a difusão do saber é concreta e indissociável das realidades sociais. A escola como parte integrante da sociedade deve agir com o intuito de transformar a mesma e não como adaptadora do indivíduo à realidade ou como mera reprodutora da ordem instituída. Difere, portanto, da pedagogia tradicional a qual busca preparar profissionais num contexto de exigências do mercado. A postura do aluno na pedagogia crítico-social é fundamentalmente crítica, isto é, ruma para o desmascaramento e inevitável ruptura das imposições ideológicas. Questiona as fontes do conhecimento que obtém e o modo como é transmitido. Podemos observar, a partir do exposto, a preocupação da pedagogia crítico-social em resolver o problema da alienação decorrente da pedagogia tradicional, fomentando o pensamento crítico dos alunos para que conseqüentemente possa refletir sobre suas atitudes práticas como legitimação do saber. Para tanto, a educação deve questionar suas próprias bases, incitando-se a pensar a sociedade na qual está inserida, em sua dupla condição de produto e produtora da mesma, ou seja, aliar-se a filosofia.
O professor deve proporcionar aos alunos ferramentas para que eles percebam as intenções impostas pelo o mundo globalizado. Georges Snyders em sua Pedagogia Progressista vislumbra este papel do professor perante a realidade e almeja uma escola na qual aparece como espaço de incentivo ao pensamento crítico ocasionando assim uma melhor conduta prática dos estudantes e dos professores perante a realidade, em especial a realidade capitalista. Ele enxergou a necessidade de uma nova conduta de ensino a qual incentive a postura filosófica dos alunos. Nela a escola aparece como espaço de incentivo ao pensamento crítico, o que faz surgir à necessidade de discutir o próprio conhecimento como elemento de uma proposta reflexiva acerca da realidade. A tendência progressista combate a questão da autoridade do professor enquanto não fornece ferramentas para uma postura crítica ou filosófica do seu aluno. A nova tendência pedagógica busca desenvolver o senso crítico não apenas quando o professor problematiza a realidade do aluno, mas quando o professor oferece o conteúdo histórico que cada disciplina impõe e outras ferramentas que auxiliem na postura filosófica do aluno. Assim, essa tendência pedagógica não é centrada apenas no professor (pedagogia tradicional) nem no aluno (pedagogia nova), mas em uma mediação entre os dois no processo de aprendizagem e, dessa forma, insistem na autonomia do aluno, na autodeterminação e reconhecimento de sua condição.
Jacques Delors também sustenta uma educação crítica neste sentido.

os professores que, por dogmatismo, matam a curiosidade ou o espírito crítico dos seus alunos, em vez de os desenvolver, podem ser mais prejudiciais do que úteis. (DELORS, 1998, p.98)

            A escola como parte integrante da sociedade deve agir com o intuito de transformar a mesma e não como adaptadora do indivíduo à realidade ou como mera reprodutora da ordem instituída. Porém o que percebemos é que a produção do saber escolar tem se restringido ao conhecimento instrumental, utilizado na competitividade do mercado e repassado pelo o mundo globalizado. Na realidade o conhecimento na globalização tem sido usado para inovar as condições de lucro. Os critérios do desempenho estão calcados exclusivamente na quantidade, o que na verdade significa uma falsa performance das instituições de ensino.
            O pensamento de Makensas parte do principio de que a escola pode ser um local de transformação social e, nesse sentido, a pedagogia crítico-social dos conteúdos é uma tendência marxista que nasce das proposições desenvolvidas por Georges Snyders. Nela a escola aparece como espaço onde a ação de professores e alunos podem contribuir e muito para a transformação da sociedade capitalista. Para essa tendência pedagógica, os alunos desenvolvem o senso crítico apenas quando o professor problematiza a vida deles. Nela, defende-se que a aquisição do conhecimento possa ser uma ferramenta a mais no processo de transformação social.
Porém, para que esse saber tradicional que foi acumulado na evolução humana possa ser útil ao aluno, faz-se necessário que o professor seja o mediador entre o conhecimento e a prática social do aluno. Em outras palavras, que o aluno desenvolva o senso crítico quando o professor o ajuda a ter acesso ao conhecimento tradicional de modo crítico.
Na pedagogia tradicional a vitalidade existente em cada indivíduo era escamoteada, reprimida, sistematicamente mascarada, já que a proposta de ensino é baseada em um conhecimento pronto ao qual tem por objetivo a adaptação do indivíduo ao meio social e condicionar os alunos a aceitarem sem questionamento a realidade social e natural proporcionando a posição autoritária do professor e a perca da liberdade criativa dos alunos. A pedagogia tradicional só está preocupada com a transmissão de conteúdos aos alunos esquecendo a postura filosófica de pensamento crítico e problematização da realidade. Ela defende o processo de ensino não erudito, “o saber pelo saber” (Makensas, 2007, p. 89), esquecendo a possibilidade de que o conhecimento seja um modelador de caráter e fundamentador de posturas práticas do processo de transformação social.
A pedagogia tradicional, ao centrar o processo de ensino no professor, faz com que o aluno acabe adquirindo um tipo de conhecimento não crítico, mera soma de informações. E a pedagogia nova, ao centrar o processo de ensino no aluno acaba por desvalorizar a experiência do professor e abandona os alunos a um processo solitário de ensino. Porém, a pedagogia-crítica dos conteúdos, para Makensas

tanto o professor como alunos tenham postura ativa para que possam realizar uma troca de experiência e assim ao mesmo tempo em que o aluno tem acesso ao conteúdo tradicional, tem também uma postura crítica que o ajuda no processo de transformação da realidade social. (MAKENSAS, 2007, p. 90).

Em termos gerais, a educação no mundo globalizado acaba reproduzindo os valores e mentalidade capitalistas, priorizando a formação da razão instrumental aliada a lógica do consumo, que na atualidade propõe e incentiva um consumo desenfreado, sem refletir sobre as conseqüências sociais e ecológicas do processo. Daí, a crise profunda e sem precedentes na história da humanidade. O papel da escola acaba tendo outra finalidade, ao invés de comprometer-se com a educação de qualidade.
Dermeval Savianni defende que é possível encarar a escola como um produto da sociedade fundada no modo de produção capitalista e que a escola sofre a determinação de conflitos a partir dos interesses que movem a sociedade. Desse modo, considera que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola.
A partir da perspectiva de uma teoria da educação que capte criticamente a escola como um instrumento capaz de contribuir para a superação do problema da dominação dos poderosos, Savianni enxerga a tarefa de superar tanto o poder ilusório (que caracteriza a pedagogia tradicional) quanto à impotência da própria estrutura de ensino pelos professores, ainda que de forma limitada pelo a instituição de ensino.
Para driblar o problema da própria ideologia de ensino da instituição precária, que insiste em se corromper, é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da educação, de formação de caráter, o que nos levará a compreensão das complexas mediações entre professor e aluno.
Assim, do ponto de vista prático, o professor é o financiador da luta contra a seletividade, da discriminação e do rebaixamento do ensino das camadas populares. Para Savianni o papel da teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar a apropriação e articulação dos interesses dominantes.

4.      Considerações sobre o modelo de educação por Platão
Para driblar o problema da própria ideologia de ensino da instituição precária, que insiste em se corromper, é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da educação, de formação de caráter, o que nos levará a compreensão das complexas mediações entre professor e aluno.
Assim, do ponto de vista prático, o professor é o financiador da luta contra a seletividade, da discriminação e do rebaixamento do ensino das camadas populares. Para Savianni o papel da teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar a apropriação e articulação dos interesses dominantes. Nesse ponto, o conflito é fundamental para estimular a crítica e expor as contradições no sistema educacional, com estratégia política que vise à mudança social através da conscientização. Tal problema acerca da educação e das questões democráticas e políticas de uma sociedade doente, como é o caso do nosso mundo globalizado, tem como o primeiro expoente Platão em A República que expõe o ideal grego de Paidéia.
Para os gregos antigos, a educação serve para a formação dos cidadãos no que refere ao seu caráter como, por exemplo, a justiça, a coragem e a temperança, para que dessa forma, a ordem política da democracia seja sustentada pelo os alicerces da educação e da realidade e não pela a ignorância ou aparência. O mundo globalizado nos impõe certa aparência como fora dito antes, e é preciso parar e pensar para não cair no papo da tirania do mercado.
Portanto, o homem deve incentivar a boa educação na medida em que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre ela e dá respostas aos desafios que encontra. O homem vai se transformar através da educação na medida em que ela é a atividade incessante dos homens em transformar o mundo natural em social, tornando-o mais humano. O mundo globalizado exige que o ensino seja transmitido de forma descompromissada com a própria educação já que busca ensinar ofícios e não a liberdade e a virtude. Os ideais filosóficos de educação (Paidéia) e de problematização da realidade a partir do pensamento crítico, criando seus próprios conceitos acerca da realidade, passa a ser negligenciado. E a postura contraditória da educação tradicional e a capacidade desumana que o mundo globalizado impõe na deteriorização da educação dos pobres põem em crise a adaptabilidade ou sensibilização dos homens com o mundo.

A)    O mito da caverna   
            Platão em A República questiona “o que é a justiça?” e acaba fazendo uma exposição acerca das virtudes, da educação e da democracia. O objetivo principal de Platão era encontrar na sociedade certa realidade natural e moral e que fosse eterna e imutável, a qual fará a democracia se erguer e fundamentar-se em alicerces justos e racionais. O “mito da caverna” é uma alegoria criada por Platão, precisamente no Livro VII da obra, que explicita de forma geral o pensamento de Platão acerca das condições necessárias dos humanos para compreenderem as coisas na realidade. Dessa forma, no decorrer da exposição problemática da democracia ateniense e da exposição do “mito da caverna” em sua obra, Platão acaba determinando o seu pensamento acerca de duas formas do processo de conhecimento nos homens, as quais se fundamentam em duas realidades diferentes que englobam todo o domínio humano, e são comumente conhecidos como “o mundo das ideias” e “o mundo dos sentidos”.
            No “mundo das ideias” encontramos todas as ideias eternas e imutáveis, ideias reais que determinam os conceitos que fazemos acerca do mundo físico e de toda a realidade. Apenas aquele que consegue desvincular-se do mundo aparente dos sentidos e passar a vislumbrar o mundo das ideias, para Platão, é capaz de realmente estar conhecendo algo. Nesse sentido, Platão tenta nos dizer que é nesse campo abstrato das ideias que reside o verdadeiro conhecimento (episteme), já que é nesse campo que somos capazes de vislumbrar de forma mais íntima a “forma” das coisas e não as suas aparências físicas. 
            Já no mundo dos sentidos, encontramos os ditos “valores imperfeitos”, que seriam como uma espécie de sombra ou aparência da realidade perfeita. Para Platão, se o processo do conhecimento se fundamentar apenas no campo sensível, o máximo que poderíamos conhecer seriam as aparências, pois, estão muito além do conhecimento verdadeiro e real das “formas”, e dessa forma, estaríamos no campo da opinião (doxa) e não do verdadeiro conhecimento.
            Desse modo, a partir do “mito da caverna”, podemos extrair o tema da ignorância e o da sabedoria (aparente X real). Platão afirmava a existência de dois constituintes do homem, a saber, o corpo físico e a alma. O corpo físico encontra-se amplamente relacionado ao mundo dos sentidos, já que nos fornece dados imprecisos e imperfeitos acerca da realidade, enquanto que a alma, imortal e imaterial, representa a sede da razão humana, estando intimamente ligada ao mundo das ideias.
            Portanto, é o “mito da caverna” uma exposição platônica sobre o ser humano e de que como este deveria sempre estar em busca da perfeição, a qual seria conseguida através do constante aprimoramento da alma, a partir da educação, em contraposição, ao mundo aparente que se fundamenta na ignorância.

B)    Conhecimento x opinião
            Podemos extrair do “mito da caverna” a extrema confiança que deve ser depositada sobre as ideias perfeitas e imutáveis que englobariam a razão como suporte primordial para uma melhor compreensão da realidade. Pois, a razão nos fornece uma posição firme sobre as informações que determinamos a partir dela e, em contrapartida, a opinião e a imaginação fariam parte do mundo aparente, não nos fornecendo uma base sólida acerca dos conceitos, aos quais, são fundamentados em informações sentidas e percebidas sensorialmente.
            Sendo assim, a proposta explicitada por Platão em sua obra, nos remete a importância da educação como ferramenta primordial para a compreensão da realidade, ajudando no posicionamento crítico à condição dos homens perante a natureza, dando condições ao indivíduo para exercer suas atividades criadoras, demonstrando coragem e ambição necessárias para a vida.
            A alegoria platônica possibilita aos jovens uma melhor ênfase ao processo do conhecimento e da importância da educação para viver melhor. Pois, é quando um dos prisioneiros da caverna consegue se libertar, pela curiosidade e pensamento crítico, e vislumbra a realidade existente fora da caverna, é que ele passa a compreender a realidade, sendo capaz assim de discernir o aparente (o mundo da caverna e a contemplação das sombras) do real (o mundo fora da caverna e o sol como fonte das sombras na parede). O indivíduo que passa a enxergar o campo mais abstrato está de certa forma mais íntimo das virtudes e da verdade, na medida em que, nesse campo, o pensamento crítico ou a problematização prevalece em contrapartida às sensações, que são características do processo de conhecimento do corpo físico.
            Neste contexto, “o mito da caverna” também contrapõe a opinião (sofista) com o conhecimento verdadeiro (filósofo) e, para Platão, o sofista cria conceitos a partir da sua própria subjetividade, agindo de acordo com a ignorância do que com a razão ao passo que, os filósofos, após problematizarem a realidade e racionalizarem acerca da existência, realizavam a incessante busca da perfeição. Por sua vez, as pessoas comuns, em contraposição aos filósofos, tinham suas almas habituadas a coisas do mundo sensível, alienando-se, dessa maneira, em falsas realidades.

C)    A postura crítica
            O tema da aparência e realidade no “mito da caverna” proporciona a reflexão da importância do campo do conhecimento e não o da ignorância? Sim, sem dúvida o exemplo de Platão nos convence disso. O estudante deve ser incentivado a ter um posicionamento crítico acerca da sua realidade, possibilitando um incentivo a sua capacidade de problematização e de sensibilização à filosofia, culminando dessa forma em uma melhor conduta cidadã em sua sociedade, de forma a adquirir maior autonomia e sabedoria.
Portanto, é importante ensinar filosofia ao jovem para que ele cresça enquanto cidadão e desenvolva sua personalidade, sem se fixar em verdades prontas, mas criticando-as. Tal posicionamento filosófico poderá proporcionar ao jovem o gosto pela pesquisa e busca pela verdade. Vivemos em meio à sociedade até mesmo sem saber qual é o motivo de nossas ações, vivemos de forma a não nos preocuparmos em querer saber o que há de verídico, esquecendo a postura crítica. A maioria da população tem opinião de tudo o que há, mas não procura se certificar do que é real. Se algo lhes é dito escutam e tendem a dar valor a essa crença muitas vezes sem fazer uma própria análise sobre a informação, e isso se repete a varias informações da existência. O poder do mais forte acaba contribuindo para uma maior influência em massa, devido aos seus interesses egoístas. Isso causa uma alienação tremenda, não só perante a sociedade mais principalmente em relação à própria vida das pessoas comuns.
            Em virtude da problemática do “senso comum”, já que é maioria na sociedade, a alegoria platônica tem o poder de proporcionar uma reflexão, ainda hoje, acerca do real e do aparente, e dessa forma, tornar possível a compreensão do verdadeiro benefício da educação ou da aproximação do conhecimento. E, uma vez que os jovens passem a ter acesso a tais conceitos acerca da sabedoria é fato que é mais provável que a formação desses jovens proporcionará melhores condições de vida para eles e para todos. A filosofia e especificamente a alegoria do “mito da caverna” de Platão estabelece bases fundamentais para a formação do caráter, da democracia e de condutas de acordo com a sabedoria perante a realidade.
            Já que a pedagogia tradicional não financia o pensamento crítico e conseqüentemente a postura filosófica perante a realidade é que houve a necessidade de pensar uma nova pedagogia e do papel da escola dentro da sociedade.

5.      Concluindo o artigo
            Os educadores da pedagogia “crítico-social dos conteúdos” lutam para recuperar o ensino de modo a torná-lo concreto, interessante, que vá ao encontro dos interesses do aluno e que considere sua cultura, sua capacidade de tentar mudar alguma coisa e sua realidade para a produção de conhecimentos. De fato a pedagogia tradicional precisa ser abolida ou modificada por não incentivar tais objetivos já que o professor é aquele que detém o conteúdo e o aluno é o passivo, alheio a críticas e aceitando tudo o que a escola precária lhe oferece.
            Nesse ponto, o conflito é fundamental para estimular a crítica e expor as contradições no sistema educacional, com estratégia política que vise à mudança social através da conscientização.
            Assim, o homem passa a criar a educação na medida em que, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre ela e dá respostas aos desafios que encontra. O homem vai se transformar através da educação na medida em que ela é a atividade incessante dos homens em transformar o mundo natural em social, tornando-o mais humano. A questão do saber também levantará, juntamente com a da cultura e dos conteúdos, onde o saber é a manifestação da cultura. É um dos produtos da ação transformadora do homem sobre a natureza e as relações sociais. A aquisição do saber é uma necessidade humana que possibilita a ampliação das capacidades humanas para o desenvolvimento da atividade humana material e social e de compreensão da realidade.
            O ensino tradicional é transmitido de forma descompromissada com a própria educação já que busca ensinar ofícios e não a liberdade e a virtude. Os ideais filosóficos de educação (Paidéia) de problematização da realidade a partir do pensamento crítico, e de fornecer ferramentas para que o aluno possa ser autônomo em suas pesquisas, fundamentando suas críticas e criando seus próprios conceitos acerca da realidade passam a serem negligenciados. E a postura contraditória da educação tradicional e a capacidade desumana necessária para sua assimilação põem em crise a adaptabilidade ou sensibilização dos alunos com a filosofia. O saber não deve desligar-se de sua “significação humana”, ou seja, forma de aperfeiçoamento de caráter e de atitudes perante a realidade e a própria subjetividade. Segundo Makensas a pedagogia crítica dos conteúdos deve propor uma reflexão crítica diante do conhecimento adquirido espontaneamente, aceito sem avaliação. Diz também que o sucesso da postura filosófica dos alunos (pensamento crítico) acerca da realidade é fundamentalmente dependente da postura do professor que deve proporcionar os instrumentos necessários para que o aluno possa ser autônomo e independente no seu pensamento.
            Ora, a "pedagogia crítico-social dos conteúdos" se põe como uma reação de alguns educadores que não aceitam a pouca relevância que a "pedagogia libertadora" dá ao aprendizado do chamado "saber elaborado", historicamente acumulado. Porém, acabam esquecendo ou simplesmente não mencionando, que toda essa postura virtuosa a qual buscam na educação perante a sociedade nada mais é do que a própria postura filosófica na medida em que é financiadora do questionamento e que busca a educação como formação de caráter. Tal problema acerca da educação e das questões democráticas e políticas de uma sociedade têm como o primeiro expoente Platão em A República que expõe o ideal grego de Paidéia. Para os gregos a educação serve para a formação dos cidadãos no que refere ao seu caráter, para que dessa forma, a ordem política da democracia seja sustentada pelo os alicerces da educação e da realidade e não pela a ignorância ou aparência.
            A "pedagogia crítico-social dos conteúdos" assegura a função social e política da escola através do trabalho com conhecimentos sistematizados, a fim de colocar as classes populares em condições de uma efetiva participação nas lutas sociais. Entende que não basta ter como conteúdo escolar as questões sociais atuais, mas que é necessário que se tenha domínio de conhecimentos, habilidades e capacidades mais amplas para que os alunos possam interpretar suas experiências de vida e defender seus interesses de classe. E não é difícil notar que o fundamento dessa nova postura pedagógica é a pura filosofia.


REFERÊNCIAS
ASPIS, Renata P. Lima. O professor de filosofia: o ensino de filosofia no ensino médio como experiência filosófica. Campinas: UNICAMP, 2004.
BERGER, P. T./LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1995. p.147.
BIELLA, Jaime. A filosofia no ensino médio. Natal: UFRN, 2010.
BRASIL. MEC/SEMTEC. Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: MEC, 2006.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Trad. de José Carlos Eufrázio. São Paulo: UNESCO, 1998.
DURKHEIM, É. Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
GERA, M. S. Globalização e educação: considerações sobre antropologia crítica contemporânea. 2002. 121 f. Tese (Doutorado) - Curso de Educação, Departamento de Educação, Unicamp, Campinas, 2002.
MAKENSAS, P. Sociologia da Educação. 13ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
PLATÃO. A república. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
PLATÃO. O sofista. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores).
SAKATA, M. C. G. Globalização e educação: A formação do comunicador social na América Latina, 2008 312p. (Doutorado – Orientação BACCEGA, M. A.) Escola de comunicações e artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2008.
SAVIANNI, D. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.
SNYDERS, G. Pedagogia progressista. Lisboa: Livraria Almedina, 1974.


[1] Professor, filósofo e pesquisador da UFRN.
Bolsista do PIBID – Filosofia.
05/07/2011
[2] Thomas Luckmann e Peter Berger, A construção social da realidade.
[3] PLATÃO, A república.
[4] Alusão ao “mito da caverna” exposto por Platão no livro VII da A República.

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